Nova
Iorque é tida por muitos como a cidade mais linda da América, mas foi ali que
Michele de Carvalho Riquelme teve a terrível ideia de sequestro.
Jantava
com o marido no apartamento mobiliado em Manhattan quando o negror de uma lua
nova pairava no céu.
–
Amor, que tal crianças?
–
O que mudaria? – perguntou Rômulo, depois de mastigar uma porção do ravióli
feito pela esposa.
Michele
afastou seu prato intocado. Suas mãos tremiam mediante seu conflito. Encarou-o
e disse:
–
Se uma criança se muda de um lugar calmo para um lugar barulhento, ela dorme. Nós,
adultos, sofremos com isto. Licédia é o lugar barulhento. Elas talvez desenvolvam anticorpos. – Michele sentiu
uma pontada no coração ao mencionar as crianças. Cerrou os dentes. Ela irá pagar, pensou, e então silenciou
a ideia.
Rômulo
sorriu e descansou os talheres no prato.
–
Gosta de brincar, senhora. Vinte cientistas treinados morreram. Mandaremos
essas crianças à morte.
–
Não deixarei isto acontecer. Também irei. – Se fosse junto com as crianças
talvez não fosse tão errado assim. Afinal, nascera pobre em Vila das
Valquírias, prosperara, e assim julgava conhecer as mais diversas coisas da
vida. Não seria difícil.
–
O quê? – O marido afastou-se da mesa, boquiaberto, depois inclinou-se para a esposa.
Rômulo era bem aberto emocionalmente. Seus olhos verdes ora se arregalavam,
outras vezes passava a mão nos hirsutos cabelos ruivos, e raramente mordia o
lábio inferior. Michele sempre decodificava a informação, o que a ajudava a
obter o que queria. Naquele momento precisava incluir certa pessoa na conversa.
–
Isso mesmo. Não foi à toa que me tornei modeladora matemática. Vamos mudar a
história. – Michele ingeriu um gole do vinho. Era sua quarta taça, uma antítese
à quantidade de alimentos que comera.
–
Fala como o Visionário.
–
Exato. Como ele, farei tudo para livrar esse mundo do efeito estufa, dos
degelos polares, dos gases tóxicos. E terá de ser com crianças. Mas preciso de
você, amor.
Rômulo
segurou a sua mão. Michele lembrou-se então de quando começaram a namorar. Fora
nas férias de inverno do quinto período na faculdade. Estavam em Vila das
Valquírias, uma cidadezinha no litoral da Bahia em que nada acontecia.
Todos
davam atenção à Leonel Santiago, herói da cidade por ter descoberto um
assassino e era herdeiro de uma das famílias mais ricas da cidade. Michele
detestava aquela família, mas bloqueou a sucessão de pensamentos, prevendo as emoções medonhas que recordaria.
No
dia em que desembarcara na estação rodoviária da cidade, recebeu
uma ligação de Rômulo. Havia saído com ele duas vezes ao parque, e gostara. Mas
não sabia o que ele sentia quando na altura da sua nova ligação.
–
Afinal, o que quer de mim? Por que você ainda me procura?
–
Eu te amo, mas se não quiser não te procuro mais – respondeu ele.
–
Ah, Rô, eu não sei.
–
Vamos tomar um suco de groselha hoje à tarde?
Ela
não conseguiu recusar. Naquela tarde fora feito um pedido de namoro e Michele
tornou-se uma garota comprometida.
–
Amor, tem o meu consentimento, mas fuja direto para cá ao primeiro sinal de
problemas – falou o homem. – Não seja teimosa. – Então lembrou-se de outra
pessoa. – E quanto à minha sobrinha?
–
Quero que seja minha mão direita. E então?
–
Está bem. Pelo futuro.
Brindaram
por sobre a mesa. Pela primeira vez Michele sorriu naquele dia, à última hora
da noite.
Em
seguida a mulher levantou-se e o chão oscilou por um tempo. Reequilibrou-se no
encosto da cadeira e andou para pegar o telefone do outro lado da sala. Marcou
com o chefe de chegarem trinta minutos mais cedo no dia seguinte, pois tinha
algo importante a dizer.
Sorriu
novamente ao final da conversa. Então tomou a mão do marido e cambalearam para o
quarto.