quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Myers-Briggs Type Indicator (MBTI)

Uma coisa que acho muitíssimo interessante é o MBTI, a teoria dos tipos psicológicos. Espero que vocês gostem também.


Parte I) História do MBTI, as dicotomias e os tipos psicológicos

Carl Jung foi um grande estudioso da personalidade humana. Em 1921 ele escreveu um livro chamado Tipos Psicológicos que envolveu muitas das suas maiores descobertas.

Anos depois, já na época da Segunda Guerra, duas mulheres, Katherine Briggs e Isabel Myers - mãe e filha respectivamente -, criaram um teste baseado na teorização de Carl Jung para ajudar as mulheres que trabalhavam nas indústrias e para promover a paz mundial, mostrando às pessoas as diferenças entre as personalidades e que isso poderia ser bem usado para criar harmonia.

Esse teste ficou conhecido como Myers-Briggs Type Indicator (Indicador tipológico de Myers-Briggs) em homenagem ao nome das desenvolvedoras. Essa é até hoje a principal ferramenta usada por psicólogos e psiquiatras para determinar tipos de personalidade.

O MBTI classifica as preferências do indivíduo em relação à pensamento, sentimento, sensação e intuição. E cada uma delas pode ter uma das duas orientações: introversão ou extroversão.

Mas antes de falar das funções, vamos às dicotomias. São elas:

- Extroversão/Introversão
- iNtuição/Sensação  (o N maiúsculo será explicado adiante)
- Feeling(Emoção)/Thinking(Razão)
- Julgamento/Percepção

Extroversão/introversão é sobre como a energia está voltada. Pessoas que absorvem energia pela interação social e o mundo exterior são extrovertidas e pessoas que absorvem energia em atividades de reflexão e privacidade são introvertidas. Não deve ser confundida introversão com timidez. Existem pessoas extrovertidas tímidas e pessoas introvertidas comunicativas. Tudo depende de onde vem sua energia.

iNtuição/sensação é sobre como o indivíduo absorve informações. A sensação se dá através dos cinco sentidos enquanto a intuição é um "meio sentido" a mais. Pessoas intuitivas absorvem informação comparando com seus valores e pensamentos para absorver a verdade sobre aquilo e avaliar possibilidades enquanto as sensoriais acreditam no que veem, cheiram, etc. Intuitivos parecem "viver na lua" e sensoriais são pés no chão.

Emoção/razão é sobre como a pessoa toma decisões. Pessoas emotivas consideram as emoções envolvidas, valores e gosto acima de tudo nas escolhas enquanto as racionais preferem o que faz sentido lógico e valorizam verdades objetivas.

Julgamento/percepção é sobre estilo de vida. Julgadores preferem planejar, seguir estruturas, tomar decisões de maneira rápida e ter as coisas decididas, enquanto perceptivos gostam de deixar as coisas em aberto para adaptar-se caso necessário, são mais flexíveis, tomam decisões no último segundo e são estimulados por novidade.


Através disso chegamos a 16 possíveis combinações. São elas: ESFP, ESTP, ISTP, ISFP, ISFJ, ESFJ, ESTJ, ISTJ, ENFJ, ENFP, INFJ, INFP, ENTJ, ENTP, INTJ e INTP. NÃO EXISTE MELHOR NEM PIOR. Todos os tipos são necessários pra sociedade funcionar bem.

E a quatro temperamentos: SJ(tradicionais/guardiões), SP(artesãos/aventureiros), NF(idealistas) e NT(racionais).

Note que para não confundir intuição com introversão, para o primeiro foi adotada a letra N e ao segundo a letra I.


Parte II) Descrição dos temperamentos

- SJ(guardiões): valorizam estabilidade, segurança. São pessoas trabalhadoras e realistas. Exemplos: Henry Ford, Getúlio Vargas e Madre Teresa.

- SP(artesãos): Vivem por aventura, liberdade, prazer e ação. Aprendem as coisas fazendo-as. Exemplos: Neymar, Michael Jackson e Madonna.

- NF(idealistas): São otimistas, valorizam a união, sentem e compreendem bem a si mesmos e as outras pessoas. Veem como missão mudar o mundo para melhor. Exemplos: Nelson Mandela, Jesus Cristo, Princesa Diana, JK Rowling e Hitler(esse último um péssimo exemplo rs).

- NT(racionais): Determinados, estratégicos e teóricos. Valorizam a inteligência, a criação e o conhecimento. Seu papel também é fazer a sociedade evoluir. Enquanto os NFs fazem a sociedade avançar com seus sonhos, os NTs bolam estratégias que coloquem isso em prática. Exemplos: Mark Zuckerberg, Allan Kardec, Bill Gates, CS Lewis e Presidenta Dilma.

Parte III) Funções cognitivas

Como disse na primeira parte, a personalidade humana é composta de sensação e intuição (funções perceptivas) e pensamento e sentimento (funções de julgamento). Jung acreditava que cada um desses processos podia ser voltado ao mundo extrovertido ou ao introvertido. Nascem assim as funções e vou acompanhar com suas descrições.

- Sensação introvertida: recorda com detalhes fatos e experiências passadas
- Sensação extrovertida: o que tá acontecendo agora? que movimentos posso fazer?
- Intuição introvertida: prevê acontecimentos, atraído pelo simbólico e significativo.
- Intuição extrovertida: cria diversas ideias, muitas vezes desconexas.
- Sentimento introvertido: O que é certo e o que é errado? Avalia os próprios princípios.
- Sentimento extrovertido: considera os outros e as suas necessidades
- Pensamento introvertido: categoriza e analisa.
- Pensamento extrovertido: aplica critérios e organiza.

É antinatural uma pessoa ser boa tanto em sensação introvertida como em sensação extrovertida, por exemplo. Uma delas será inconsciente e raramente acessada.

Cada pessoa tem quatro dessas funções de uso consciente. São dispostas assim: função dominante, função auxiliar, função terciária e função inferior.




Como as funções se comportam nos tipos.


Parte IV) Algumas observações

- Depois que descobrir seu tipo veja a descrição nos sites para ver se combina com você. Se tiver sido sincero, baterá.

- Caso tenha dado diferença entre o tipo pelas dicotomias e pelas funções cognitivas, acreditem mais nas funções cognitivas, pois é mais seguro.

- Na internet correm preconceitos com certos tipos. Espero que quem esteja lendo isto não vá para o lado dos que compartilham dessas ideias ridículas e faça bom proveito conhecendo cada vez mais a si e suas forças e fraquezas.


Sites com teste MBTI que já testei e recomendo:

http://www.16personalities.com/br/teste-de-personalidade
http://inspiira.org/
http://www.humanmetrics.com/cgi-win/jtypes2.asp  (em inglês)
http://functiontest.besaba.com/index.php (teste das funções cognitivas)

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Capítulo 1 - O ÚNICO LUGAR QUE ELA CHAMAVA DE LAR



Catarina Suelen pousou o telefone no gancho e começou a correr. O brilho do sol poente dominava Vila das Valquírias e atravessava suas janelas, inundando o cabelo da menina numa luz ainda mais viva que seu tom acobreado. Cigarras cantavam a melodia de uma vitória.
Ela contornou a mesinha de tampo de vidro, atravessou a cozinha e cheiro de pipoca de microondas inflou suas narinas, abriu uma porta, atravessou um corredor, fez uma curva.
– Meu pai! Meu pai tá vindo! – sorria para as paredes.
Atravessou correndo o limiar que separava a área de serviço do quintal.
Só então estacou.
Viu Raquel de joelhos perto de onde cresciam palmeiras, seu vestido vermelho sujo de terra aqui e ali. Além das palmeiras, roseiras, alfavacas e lírios também cresciam ao redor de uma imponente laranjeira.
Catarina parou e se aproximou de leve. Sua mãe pareceu sentir sua presença.
– Foi ele? – virou-se e perguntou. A menina viu lágrimas brilhando no rosto da outra.
Suelen assentiu.
– Acabou de ligar – disse à voz monótona. – Vem hoje à noite.
A felicidade de Catarina se anuviou. Aproximou-se da mãe para confortá-la com um abraço.
– Edu logo vem, mamãe – disse Catarina, referindo-se ao irmão. Só então notou a caixinha de sapatos no chão. Dentro havia um pássaro ferido numa das asas se contorcendo sobre um lenço. Então soube que não era por Edu.
– Nada consegui fazer.
Raquel, a mãe de Catarina, tinha um fraco por animais. Sempre que via algum machucado corria para ajudar. Preparava leito, fornecia água, comida e carinho. Às vezes tinha sucesso, mas daquela vez o fracasso era visível no seu rosto.
Ficaram ali abraçadas, mãe e filha. Catarina nada sentia quanto ao estúpido animal. Só queria seu pai de volta e que sua mãe mandasse à empregada preparar coisas saborosas.
Depois de dez minutos o bem-te-vi cessou os movimentos. O ombro de Catarina estava encharcado das sucessivas gotículas. Ajudou sua mãe a cavar e enterraram o animal.
Sua mãe uniu um maço de rosas e lírios e deu um beijo triste antes de atirar sobre o túmulo.
Coisinha idiota. Fez bem ter morrido logo.
Catarina conduziu sua mãe para dentro da casa.
Meia hora depois Eduardo voltou do jogo de futebol com o time da escola. O irmão de Catarina tinha nove anos e já era quase da sua altura, tinha cabelos negros desgrenhados e olhos castanhos. Havia-lhe certo sobrepeso, apesar da prática de esportes.
– Mãe, fiz três gols. Estamos na semifinal.
– Que bom, meu filho. – Raquel abraçou o irmão de Catarina e encostou os lábios nos cabelos desgrenhados. Sua expressão ainda fechada.
Catarina correu para dar as novas. A rivalidade adolescente entre irmão e irmã ainda não os havia atingido e naquele dia se falavam normalmente.
– Edu, nosso pai tá vindo.
O garoto olhou para a mãe.
– É sério?
– Sim. – Então ela sorriu. – Nossa família está completa de novo. Lurdes! – A empregada logo apareceu. Trajava um vestido velho dado pela própria Raquel. – Quero um churrasco hoje à noite. E tortas. E bolos.
– O que faço com a pipoca, senhora?
– Que pipoca? Ah, sim. Catarina, ainda quer?
A menina fez que não.
– Coma, Lurdes, se quiser.
Catarina e Eduardo subiram as escadas rumo aos seus quartos. Tinham que preparar o que mostrariam ao pai.
Catarina banhou-se em água morna, dançou, cantarolou.
Mas quem era aquela garota?
Catarina Suelen era herdeira das duas famílias mais nobres de Vila das Valquírias. Tinha uma estatura baixa mesmo para os tenros onze anos e era esbelta.
Quando voltou para o quarto penteou os cabelos acobreados, que emolduravam o rosto em forma de coração; tudo por puro instinto de frente para o espelho de desnecessários dois metros de altura com borda de marfim. Tinha os olhos castanho-claros – de herança materna –, mas não que ela gostasse disso. Se era bonita? Bem, era certamente acima de bastante razoável. Mas para ela mesma, detestava parecer-se tanto com sua mãe. Só não herdara as sardas nem o formato oval do rosto.
Sua mente era toda para o reencontro.
Fazia três semanas que seu pai não voltava para casa. Dizia que substituía um professor de Cálculo II na faculdade em que dava aulas lá em Salvador. Antes daquele período Leonel chegava em casa nas sextas para segunda estar de volta ao trabalho.
Catarina ouvira histórias dos mais velhos dizendo que iriam trabalhar numa cidade grande levando a família e voltariam somente depois de aposentados. Seu pai era de um tipo diferente. Vila das Valquírias era o seu lar. Dizia que jamais abandonaria aquela cidade. Recusara-se mesmo a ir trabalhar nos Estados Unidos. Mas sempre que tinha tempo lá ia e voltava com presentes e histórias para Catarina.
Outro fato era que seu pai nunca substituíra professor algum. Sempre colocava a família a frente de tudo.
Afinal, o que andara fazendo? E por que tanto gostava de Vila das Valquírias, uma cidade de meros sessenta mil habitantes? Um físico e engenheiro tão talentoso desperdiçava seu talento?
Catarina desistiu de caminhar nessa linha de raciocínio. Era seu herói quem estava vindo. Escutara sua calorosa voz pelo telefone. Dissera-lhe que estava se arrumando para ir ao aeroporto. Dali a duas horas chegaria. Quase podia sentir o cheiro do seu perfume e o gosto das guloseimas que trazia.
Catarina começou a pensar no que havia feito naquelas três semanas para contar. Depois de prender os cabelos, passou a vasculhar seu quarto.
O ambiente em que Suelen dormia não era lá muito arrumado, principalmente porque para a garota tudo o que não encontrava lugar para pôr, depositava em cima da mesinha.
Sua mãe sempre dissera para a empregada arrumá-la para a desaprovação da menina. Sempre que arrumavam por ela, não conseguia encontrar suas coisas. Depois de uma discussão no almoço meses atrás acertaram de deixar o quarto com a bagunça que Catarina quisesse.
Suelen foi pra a mesinha e encontrou desenhos, bastões de cola, um quebra-cabeças, um rádio, a perna de uma boneca, cadernos, um urso de pelúcia, esmaltes, livros da escola e um retrato.
A foto mostrava Catarina e sua amiga Ana Cristina, uma garota morena sorridente do bairro vizinho. Fora tirada de frente para a Sorveteria do Seu Júlio na semana antecedente. Seu pai não havia visto aquela imagem.
Decidiu que aquela seria a oportunidade.
Escutou uma música popular tocar no quarto do irmão. Fechou a porta e deitou-se. Tinha que descansar para passar o maior tempo possível com o pai. Se o pais deixassem ficaria acordada madrugada adentro.
Teve um sonho.
Andava numa floresta sombria, e ventos gélidos atacavam sua tez. Estremecia enquanto se desviava dos galhos mais baixos. Deu numa clareira. Viu uma rosa amarela e sangue manchando-a... e para além dela. A clareira reluzia à luz lunar num espetáculo sangrento.
Não havia corpo, mas suspeitou de uma batalha ocorrera ali. Catarina pensou em correr, mas viu que tinha uma espada na anca direita. Então seguiu os rastros de sangue. No meio da clareira uma luz branca cegou-a e sentiu a dor de uma flecha rasgar o seu coração.
Acordou empurrando os lençóis e procurou a flecha cravada. Quase sorriu ao notar que fora apenas um sonho.
Às sete seu pai entrou na casa. Houvera um tempo em que Raquel, Eduardo e Catarina iam buscar Leonel no aeroporto, mas depois ele começou a pegar táxi para fazê-lo. Não queria incomodá-los toda semana naquela atividade.
Todos o abraçaram. Catarina foi a primeira.
– Pai, como foi lá?
– Dar aulas é cansativo, crianças. Mas... notícia boa. Passarei uma semana com vocês.
– Por quê? – perguntaram todos de uma vez.
– Estão terminando de pintar o prédio.
Catarina não se recordava de seu pai já ter falado de pintura na faculdade em algum momento. Mas quando ele tirou um pote de bolachinhas de goma da mochila seus pensamentos se calaram.
Não havia comida no mundo que Catarina mais adorasse que bolachas de goma. Afinal, eram tão crocantes. E seu gosto doce quando derretidas no paladar!
Quando em público Catarina jamais lambia a tampa do iogurte ou deixava o prato limpo, mas quando era bolachinhas de goma não se importava em ingerir os farelos, qualquer que fosse o argumento de sua educada mãe.
– Crianças, deixem o pai de vocês sentar. Ele está cansado da viagem.
Raquel caminhou agarrada ao marido. Quando se dispuseram na sala de estar de frente para a televisão a família voltou a interagir.
– Edu, trouxe isto pra você – disse Leonel, tirando um carrinho de controle remoto da mochila. – Amor, seu presente está na mala. Lá em cima te entrego.
Eduardo correu para a varanda com o brinquedo. Raquel sorriu, apertou a mão do esposo e se beijaram.
Catarina detestava animais e muitas crianças da sua idade, mas adorava o amor que via nos pais.
– E pra você, princesinha, isto – disse seu pai, já afastado dos lábios da esposa.
Leonel retirou o celular da mochila e entregou à garota.
Catarina sempre quisera ter um, mas sua mãe rebatia dizendo que era nova demais.
– Você tem quase doze anos. Sua mãe e eu concordamos que já está na hora de ter um. Dei a primeira carga e deixei salvo nossos celulares, o número de casa e o de meu irmão.
Catarina só tinha tio por parte paterna, e não se recordava de tê-lo visto algum dia. Fez força e recordou algo sobre ele ser dono de uma rede de farmácias. Da parte de sua mãe haviam morrido num acidente de carro nos Estados Unidos.
Seu avô materno era deputado federal, e a esposa o acompanhava na vida política em Brasília. Seu avô paterno morrera em 2002 e sua avó também trabalhava na rede de farmácias em Salvador.
Assim, aquele era o único local que Catarina podia chamar de lar. Não que aquilo a desagradasse, pois, apesar de ser um local pequeno, Vila das Valquírias contava com o fato de ter a Sorveteria do Seu Júlio, o Restaurante Cata-Vento, o Castanheiro Místico, o parque aquático e o status de ser a cidade mais pacífica do mundo.
Desde que nascera Catarina ouvira falar de pouquíssimos casos de assassinatos, sequestros e roubos. Até duvidava de que fossem verdadeiros. 2008 estava no seu segundo mês e nada violento ocorrera até então.
A menina esticou a mão para pegar o aparelho.
A um toque a tela brilhou, iluminando seu rosto. Seus pais a observavam em silêncio. A menina começou a vasculhar os menus e os toques telefônicos.
– Filha, por que não liga para Ana? – perguntou sua mãe. – Conta do seu celular.
Suelen pensou: Ela vai adorar saber disso.
Correu para a agenda na mesinha do telefone e anotou o número no visor do seu aparelho antes de pressionar o botão de ligar.
Começou a subir as escadas quando os pais retomaram a conversa. A canção da chamada pulsava em seu ouvido.
– E então?
– Um garoto em Vitória. Houve testemunhas.
– Então temos explicação.
– Dizem que ele sumiu do nada.
Ana atendeu e Catarina correu escada acima.

domingo, 22 de junho de 2014

Prólogo



Nova Iorque é tida por muitos como a cidade mais linda da América, mas foi ali que Michele de Carvalho Riquelme teve a terrível ideia de sequestro.
Jantava com o marido no apartamento mobiliado em Manhattan quando o negror de uma lua nova pairava no céu.
– Amor, que tal crianças?
– O que mudaria? – perguntou Rômulo, depois de mastigar uma porção do ravióli feito pela esposa.
Michele afastou seu prato intocado. Suas mãos tremiam mediante seu conflito. Encarou-o e disse:
– Se uma criança se muda de um lugar calmo para um lugar barulhento, ela dorme. Nós, adultos, sofremos com isto. Licédia é o lugar barulhento. Elas talvez desenvolvam anticorpos. – Michele sentiu uma pontada no coração ao mencionar as crianças. Cerrou os dentes. Ela irá pagar, pensou, e então silenciou a ideia.
Rômulo sorriu e descansou os talheres no prato.
– Gosta de brincar, senhora. Vinte cientistas treinados morreram. Mandaremos essas crianças à morte.
– Não deixarei isto acontecer. Também irei. – Se fosse junto com as crianças talvez não fosse tão errado assim. Afinal, nascera pobre em Vila das Valquírias, prosperara, e assim julgava conhecer as mais diversas coisas da vida. Não seria difícil.
– O quê? – O marido afastou-se da mesa, boquiaberto, depois inclinou-se para a esposa. Rômulo era bem aberto emocionalmente. Seus olhos verdes ora se arregalavam, outras vezes passava a mão nos hirsutos cabelos ruivos, e raramente mordia o lábio inferior. Michele sempre decodificava a informação, o que a ajudava a obter o que queria. Naquele momento precisava incluir certa pessoa na conversa.
– Isso mesmo. Não foi à toa que me tornei modeladora matemática. Vamos mudar a história. – Michele ingeriu um gole do vinho. Era sua quarta taça, uma antítese à quantidade de alimentos que comera.
– Fala como o Visionário.
– Exato. Como ele, farei tudo para livrar esse mundo do efeito estufa, dos degelos polares, dos gases tóxicos. E terá de ser com crianças. Mas preciso de você, amor.
Rômulo segurou a sua mão. Michele lembrou-se então de quando começaram a namorar. Fora nas férias de inverno do quinto período na faculdade. Estavam em Vila das Valquírias, uma cidadezinha no litoral da Bahia em que nada acontecia.
Todos davam atenção à Leonel Santiago, herói da cidade por ter descoberto um assassino e era herdeiro de uma das famílias mais ricas da cidade. Michele detestava aquela família, mas bloqueou a sucessão de pensamentos, prevendo as emoções medonhas que recordaria.
No dia em que desembarcara na estação rodoviária da cidade, recebeu uma ligação de Rômulo. Havia saído com ele duas vezes ao parque, e gostara. Mas não sabia o que ele sentia quando na altura da sua nova ligação.
– Afinal, o que quer de mim? Por que você ainda me procura?
– Eu te amo, mas se não quiser não te procuro mais – respondeu ele.
– Ah, Rô, eu não sei.
– Vamos tomar um suco de groselha hoje à tarde?
Ela não conseguiu recusar. Naquela tarde fora feito um pedido de namoro e Michele tornou-se uma garota comprometida.
– Amor, tem o meu consentimento, mas fuja direto para cá ao primeiro sinal de problemas – falou o homem. – Não seja teimosa. – Então lembrou-se de outra pessoa. – E quanto à minha sobrinha?
– Quero que seja minha mão direita. E então?
– Está bem. Pelo futuro.
Brindaram por sobre a mesa. Pela primeira vez Michele sorriu naquele dia, à última hora da noite.
Em seguida a mulher levantou-se e o chão oscilou por um tempo. Reequilibrou-se no encosto da cadeira e andou para pegar o telefone do outro lado da sala. Marcou com o chefe de chegarem trinta minutos mais cedo no dia seguinte, pois tinha algo importante a dizer.
Sorriu novamente ao final da conversa. Então tomou a mão do marido e cambalearam para o quarto.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Como comecei a gostar de ler

Quando criança eu detestava ler. No máximo eu lia revistinhas em quadrinhos.
Até que em 2007 uma pessoa me emprestou um videogame chamado Game Boy Advanced para que eu passasse umas fases de Harry Potter e Spyro por ela. Foi aí que me deparei com um jogo chamado As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa. Já tinha visto o filme uma vez, mas nunca havia pesquisado mais sobre a história.
Um dia travei numa fase e fui buscar na internet a solução. Caí num site de fãs e comecei a ler tudo. Tudo aquilo (filme e jogo) vinham de um livro. Ou melhor, de uma série de sete livros dos anos 50.
Pesquisei mais e mais e não me contive. Comprei o volume único no final do ano seguinte.

E daí a biblioteca foi aumentando. Primeiro com livros do mesmo gênero, depois com outras histórias.
Mas até hoje As Crônicas de Nárnia tem um valor especial, um dos poucos livros que não empresto tampouco troco.

No final do livro tem um apêndice chamado As três maneiras de escrever para crianças. Nessa parte tem duas frases que me marcaram bastante. É mais ou menos assim a primeira: "Uma boa história para crianças não agrada só crianças". A segunda é exatamente assim: "A terceira maneira, a única que sou capaz de usar, consiste em escrever uma história para crianças porque é a melhor forma artística de expressar algo que você quer dizer".


No próximo post falarei do primeiro volume da trilogia Millennium e da minha(espero) grande aquisição na Bienal.

Até mais!

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Resenha Dom Casmurro

Long time no see!

Há um tempinho não escrevia nada por aqui, é verdade. Provas e trabalhos na faculdade tomaram boa parte do meu tempo.

Hoje falarei de um livro que estou lendo. É o famoso Dom Casmurro, de Machado de Assis.
O livro conta a história de Bentinho desde quando ele tinha 15 anos. O jovem, apaixonado às escondidas por sua vizinha Capitu, sofre com o dilema do amor. Quando nasceu, sua mãe - uma mulher descrita sempre como jovem para a sua idade e bastante religiosa - motivada pelas complicações do parto do primeiro filho implora a Deus para que o segundo filho sobreviva. Como moeda de troca promete que o filho será padre.
Percebem a dimensão do problema?
Além da mãe (Dona Glória), o jovem Bentinho vivia na Rua de Matacavalos com José Dias (o agregado que amava superlativos), o advogado tio Cosme (acho que nesse livro todo mundo é advogado) e prima Justina (uma fofoqueira prima de Dona Glória). Seus vizinhos: Capitu, Pádua e Dona Fortunata.

Recomendo, galera. É um livro muito bom, apesar de eu ainda estar a 40 páginas do seu final.


Mas afinal, o que Machado queria dizer com olhos de ressaca? rsrsrs
Deixo a minisérie responder.