domingo, 22 de junho de 2014

Prólogo



Nova Iorque é tida por muitos como a cidade mais linda da América, mas foi ali que Michele de Carvalho Riquelme teve a terrível ideia de sequestro.
Jantava com o marido no apartamento mobiliado em Manhattan quando o negror de uma lua nova pairava no céu.
– Amor, que tal crianças?
– O que mudaria? – perguntou Rômulo, depois de mastigar uma porção do ravióli feito pela esposa.
Michele afastou seu prato intocado. Suas mãos tremiam mediante seu conflito. Encarou-o e disse:
– Se uma criança se muda de um lugar calmo para um lugar barulhento, ela dorme. Nós, adultos, sofremos com isto. Licédia é o lugar barulhento. Elas talvez desenvolvam anticorpos. – Michele sentiu uma pontada no coração ao mencionar as crianças. Cerrou os dentes. Ela irá pagar, pensou, e então silenciou a ideia.
Rômulo sorriu e descansou os talheres no prato.
– Gosta de brincar, senhora. Vinte cientistas treinados morreram. Mandaremos essas crianças à morte.
– Não deixarei isto acontecer. Também irei. – Se fosse junto com as crianças talvez não fosse tão errado assim. Afinal, nascera pobre em Vila das Valquírias, prosperara, e assim julgava conhecer as mais diversas coisas da vida. Não seria difícil.
– O quê? – O marido afastou-se da mesa, boquiaberto, depois inclinou-se para a esposa. Rômulo era bem aberto emocionalmente. Seus olhos verdes ora se arregalavam, outras vezes passava a mão nos hirsutos cabelos ruivos, e raramente mordia o lábio inferior. Michele sempre decodificava a informação, o que a ajudava a obter o que queria. Naquele momento precisava incluir certa pessoa na conversa.
– Isso mesmo. Não foi à toa que me tornei modeladora matemática. Vamos mudar a história. – Michele ingeriu um gole do vinho. Era sua quarta taça, uma antítese à quantidade de alimentos que comera.
– Fala como o Visionário.
– Exato. Como ele, farei tudo para livrar esse mundo do efeito estufa, dos degelos polares, dos gases tóxicos. E terá de ser com crianças. Mas preciso de você, amor.
Rômulo segurou a sua mão. Michele lembrou-se então de quando começaram a namorar. Fora nas férias de inverno do quinto período na faculdade. Estavam em Vila das Valquírias, uma cidadezinha no litoral da Bahia em que nada acontecia.
Todos davam atenção à Leonel Santiago, herói da cidade por ter descoberto um assassino e era herdeiro de uma das famílias mais ricas da cidade. Michele detestava aquela família, mas bloqueou a sucessão de pensamentos, prevendo as emoções medonhas que recordaria.
No dia em que desembarcara na estação rodoviária da cidade, recebeu uma ligação de Rômulo. Havia saído com ele duas vezes ao parque, e gostara. Mas não sabia o que ele sentia quando na altura da sua nova ligação.
– Afinal, o que quer de mim? Por que você ainda me procura?
– Eu te amo, mas se não quiser não te procuro mais – respondeu ele.
– Ah, Rô, eu não sei.
– Vamos tomar um suco de groselha hoje à tarde?
Ela não conseguiu recusar. Naquela tarde fora feito um pedido de namoro e Michele tornou-se uma garota comprometida.
– Amor, tem o meu consentimento, mas fuja direto para cá ao primeiro sinal de problemas – falou o homem. – Não seja teimosa. – Então lembrou-se de outra pessoa. – E quanto à minha sobrinha?
– Quero que seja minha mão direita. E então?
– Está bem. Pelo futuro.
Brindaram por sobre a mesa. Pela primeira vez Michele sorriu naquele dia, à última hora da noite.
Em seguida a mulher levantou-se e o chão oscilou por um tempo. Reequilibrou-se no encosto da cadeira e andou para pegar o telefone do outro lado da sala. Marcou com o chefe de chegarem trinta minutos mais cedo no dia seguinte, pois tinha algo importante a dizer.
Sorriu novamente ao final da conversa. Então tomou a mão do marido e cambalearam para o quarto.

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